O que é uma vida bem-sucedida?, Luc Ferry
Prefaciado por Daniel Balavoine, o filósofo francês Luc Ferry já foi traduzido para vinte e cinco idiomas e atualmente é ministro da Juventude, da Educação Nacional e da Pesquisa em seu país. Não é difícil entender o sucesso da sua obra, pois ela já chama a atenção do leitor contemporâneo já no título, pois se acredita que quase todas as pessoas estejam em busca de uma resposta para a pergunta que Ferry intitula sua obra.
O livro divide-se em cinco partes, a saber: 1) ter êxito na vida: as metamorfoses do ideal; o momento Nietzschiano ou a vida bem-sucedida como a vida mais “intensa”; 2) posteridades de Nietzsche; quatro versões da vida após a morte de Deus; 3) “vida quotidiana”, “vida de boêmio”, vida de empresa” ou “vida desalienada”; 4) a sabedoria dos antigos ou a vida em harmonia com a ordem cósmica; 5) o mundo terreno encantado pelo além; um humanismo do homem-deus. A vida boa como vida em harmonia com a condição humana.
Pela própria estrutura da obra de Ferry, percebe-se que o autor deseja acompanhar na linha da história as respostas que a humanidade foi dando à pergunta “o que é uma vida bem sucedida?”. O autor traça, também, uma discussão entre a diferença dos termos uma vida bem-sucedida e uma vida boa.
Já nos preliminares da obra a preocupação é reconhecer as respostas que a contemporaneidade dá para a indagação sobre a vida boa ou bem-sucedida. Trata-se de se ser bem sucedido socialmente, algo inerente aos valores construídos pela nossa sociedade. Alguns acreditam que ter uma vida boa é ser amado, bonito, ganhar muito dinheiro, ser inteligente, ter status e querido na sociedade. Com base nesses valores (atuais na nossa sociedade), discute-se no prefácio o significado de termos como “êxito”, “tédio” e “inveja”. Obtém êxito quem alcança esses valores construídos por uma sociedade moderna, valores intrínsecos à estrutura da sociedade na qual vivemos. Concomitantemente, atingir esse estágio é tedioso, pois o indivíduo passa a fazer parte de um todo muito maior, “funcionando” simplesmente para esse todo não parar. O autor faz aqui uma comparação do mundo com o giroscópio, o qual deve rodar simplesmente para não cair (cf. p. 20). Esse tédio surge quando se percebe ter entrado numa espécie de técnica (o autor usa esse termo e melhor o define) do mundo, que sufoca as demais potencialidades do homem. A inveja surge de forma corriqueira, muito mais do que se possa imaginar. Basta que um homem olhe para outro que possua maior sucesso na sociedade e se pergunte porque o outro tem mais do que ele se os dois são iguais. Vivendo nesta técnica da sociedade moderna não se encontra resposta para esse questionamento, o que se revela grande sofrimento para o homem menos abastado.
Ao fazer a pergunta o que é uma vida boa ou bem-sucedida frente ao mundo antigo, a resposta inevitável é preparar-se para a transcendência, ou seja, preparar-se para uma vida boa seguinte, o que ainda está por vir. Durante séculos a humanidade pensa dessa forma, que a melhor vida é aquela que prepara o homem, no sentido genérico da palavra, para o encontro com Deus, ou para as maravilhas posteriores que virão, o pós-morte. Trata-se do sobre-humano, de uma filosofia da transcendência, na qual diagnostica o melhor do homem (e da vida) fora dele mesmo. “Durante séculos, e pelo menos após o nascimento da filosofia na Antiguidade, questionar a respeito da “vida boa” significava, inicialmente, empenhar-se na busca de um princípio transcendente, de uma entidade externa e superior à humanidade, que lhe permitisse apreciar o valor de uma existência singular.” (cf. p. 15).
Ao longo da história do pensamento da humanidade, muito tempo depois do que o autor chama de a “morte de deus” (refere-se ao período Nietzschiano), o homem começa a entender que o melhor da vida, ou o caminho para se atingir uma vida boa, não é depois, mas agora; não está fora do homem, mas nele mesmo. Só ele tem condições de tornar a sua vida o melhor possível, já que o melhor da sua existência não se revela depois, mas neste momento, enquanto se existe! O melhor da sua vida não está fora, mas no próprio indivíduo. Mais do que a morte de deus, é a desnecessidade da transcendência e, vimos aqui, a valorização da filosofia transcendental, do idealismo alemão, muito mais do período kantiano. O homem deve conhecer as suas potencialidades (o autor não usa esse termo) e discernir as melhores escolhas para ter uma vida boa ou bem sucedida de acordo com suas características. Mesmo abandonando o conceito de vida boa do homem antigo, a transcendência, podemos, mesmo assim, reportarmo-nos à sabedoria daquele povo, com esse novo entendimento de vida bem sucedida, lembrando-nos do oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo!”
Todas as partes da obra são essenciais para se entender a pergunta que norteia o livro e as possíveis respostas. Mas Ferry deixa para redigir de forma objetiva sobre a pergunta “o que é uma vida bem-sucedida?” no último capitulo da sua produção, quando responde: “Talvez simplesmente uma vida que prende aos olhos dos homens algo dessa grandeza e dessa luz da qual se refere Hugo [refere-se a um poema de Hugo que fala da grandeza do velho em relação ao tempo, da sua visão geral sobre a história e de como isso se revela uma luz]. Frágil felicidade? Provavelmente. Ela parecerá pouca em comparação com as promessas da religião, mas muita, em minha opinião, em relação às exigências do humanismo.” (p. 350).