Oops, caí! Uma, duas…- 12º dia

Dia 12– Viagem do Atlântico ao Pacífico
8 de março de 2011

De San Pedro de Atacama (CHI) a San Antonio de los Cobres

Fique tranquilo, tombo bobo ! E foi só o primeiro. O único probleminha é que era descendo a Cordilheira dos Andes.

Bom, deixe eu começar do começo. Na noite anterior, minha última noite de moleza e descanso em San Pedro de Atacama, comecei a pensar sobre a possibilidade de atravessar a Cordilheira dos Andes pelo Paso Sico, portanto somente estrada de terra.

Conversei com vários guias do hotel para entender as condições das estradas. Queria fazer algo diferente, mais aventureiro, mas confesso que minha noite foi bem pouco tranquila. Pesquisei algumas coisas na internet enquanto tomava coragem para enfrentar o desafio (que mais tarde, de fato, se caracterizaria como um enorme desafio).

Trezentos e cinqüenta quilômetros na terra, cascalho, areia, pedra, sem combustível, nem postos, nem cidades, nem tráfego na ruta 51.

Após três dias parados e com a moto semi-desmontada (bagagem), demoro uns 40 minutos organizando tudo.  Pronto e montado na belezura e eis que a haste do espelho retrovisor está solta.  Desço, desamarro tudo (galão, mala de banco, etc), abro a mala lateral, pego as ferramentas que estão bem no fundo… Olha, que bobeira e que encheção de saco.

A polícia federal e a aduana para sair do Chile são feitas em San Pedro de Atacama mesmo. Como de costume, aquela enorme burocracia.  Passo primeiro pela polícia e depois pela aduana enquanto os caras batem trocentos carimbos e o outro policial perto da moto rouba a minha bandana que estava no espelho.

Abasteci o tanque e enchi o galão com 10 litros. Parti às 9 da manhã para a viagem, pensando sempre em maneirar no manete, pois são trezentos e tantos quilômetros sem abastecimento.

Tento achar as cidades (vilas ou povoados se preferirem) de Toconao, Socaire, nem Paso Sico na versão ConoSur instalada no GPS, mas nada encontro.  E os caras de Palo Alto esqueceram de colocar no Google Maps essas estradas em que vou andar.

Atingindo 3.900 metros, parei para colocar o forro da jaqueta, as luvas internas, balaclava, desliguei o sistema ABS para pilotar off-road e finalmente murchei os pneus.  Estava com o dianteiro pressurizado em 42 libras e deixei com 30. O traseiro estava com 36, e reduzi para 25 libras.

Após 90 quilômetros de San Pedro, a pauleira começou. Confesso que já estava bem tenso com essa decisão. Menos pela estrada de rípio e mais por estar sozinho, bem como pelos pneus lisos (o ideal seria que tivesse com pneus cravos, mas…).

Nos primeiros cem quilômetros, tudo ok! Apenas terra, cascalho, muita pedra grande e areia. Areão. Diversão sem preocupação.

Perto da Laguna Calientes encontrei um tiozinho francês correndo e não entendi nada. Um tiozinho correndo no meio do deserto. Depois que eu vi isso, achei minha aventura por aquela estrada coisa de criança, acabou minha tensão, meu medo, etc.

Depois fui entender que se tratava da corrida “L’Etoile D’Atacama – 4 éme Edition”, com 22 participantes, a maioria franceses, com 255,5 km divididos em oito etapas. Hoje era a 6ª etapa de 49 quilômetros entre as Lagunas Miscanti e Tuyaito. Parei no posto de apoio da corrida e fiquei conversando com o fiscal francês da prova para entender que maluquice era aquela.

Olha aí, meus amigos de corrida! Quando imaginei que veria isto por aqui. Que emoção. Me senti lá, correndo também!

Matei alguns bichos nesta viagem, sem querer, é verdade. Mas felizmente quem matou este jumento aí não fui eu. Coitado do jumento.

Cheguei quase à divisa com Argentina, no famigerado Paso Sico e estava com temperatura marcando 13 graus. Até este ponto já havia percorrido 210 quilômetros de terra, rípio (cascalho), areão, pedra, barro, poças enormes na estrada em função das chuvas recentes. Neste ponto a altitude é de 4.456 metros.

Entrei em Catua (terça de carnaval) e o povoado inteiro estava comemorando. Jogando farinha nos outros, muita gente com fantasia. Imaginem um ET de capacete chegando ao meio daquilo tudo!?

Em algum ponto eu atolei feio. Fui desviar do rio que virou a estrada e atolei na lateral. Sabiamente não acelerei. Desci da moto, respirei, a moto ficou lá, sem descanso lateral, pois não precisava. Ela estava totalmente presa no barro. Coloquei umas pedras embaixo da roda traseira e aos poucos, fora da moto, dei partida, engatei a primeira e fui tirando ela do buraco. Olha, a esta altura eu só pensava na barraca que o Décio Kerr Oliveira tinha sugerido para eu comprar (e eu comprei). E em todas as outras coisas do planejamento que também havia feito. Por pouco não liguei o celular por satélite (Iridium) e chamei a minha mãe!

Já estava totalmente molhado e morrendo de frio.

Mas no único dia que eu tive o risco de dormir na Cordilheira dos Andes, eu fiz uma besteira.  Minha mulher foi passar o final de semana comigo e levou, a meu pedido, todas as roupas de frio que eu tinha levado na ida. Sabe aquela sensação de que já deu tudo certo, não precisei de nada daquilo, já estou no caminho de volta … NÃO negligencie até o final da viagem!

Mas os problemas do dia infelizmente não terminariam com esta atolada. Uma sucessão de interrupções na estrada. Barro para todos os lados abrangendo a estrada toda, sem possibilidade de passar por fora, até porque acostamento não existe.

Daí a chuva me pegou feio a 45 km de San Antonio de Los Cobres. Quase não dava para acreditar, nem para enxergar nada.

Como na vinda, os flocos de neve começaram, só que agora como nevasca mesmo! Acredite se quiser (ainda bem que eu estava filmando tudo, para não passar por mentiroso).  E por um longo trecho, eu já encharcado, peguei um frio de 1,5 graus! Sinceramente não dava para acreditar naquilo. Não conseguia abrir a viseira do capacete para enxergar alguma coisa, pois o vento trazia os flocos de neve na horizontal, direto no olho.

Neste ponto começava a descida da Cordilheira dos Andes. Na terra, um barro só e os desfiladeiros a 50 centímetros o tempo todo.

Fiz o que pude e acho que fiz muito. Mas dois tombos foram inevitáveis. Acho que as fotos podem explicar melhor.

E assim eu pilotei por 300 quilômetros na terra, por 10 horas e várias delas com as condições descritas acima. A moto sambava o tempo todo.

Em ambos os tombos, a câmera sobre o capacete estava ligada. Então, temos um show à parte para ser devidamente editado e colocado no blog em breve.

Cheguei a San Antonio de Los Cobres às 07h20 da noite. Aqui, 3.770 metros e 11,5 graus neste horário.  Meu plano era dormir em Salta, mas devido às fortes chuvas e deslizamento de pedras nas estradas, a polícia fechou a cordilheira após as 6 da tarde. Ótimo, pois eu não ia aguentar mesmo.  Daqui para frente ainda tem um bom trecho de terra e barro, até Salta.

Encontrei outro casal de franceses viajando em um trailer, que me indicou o hotel onde estou. Muito simpáticos também.

À noite, após o banho, e de posse de uma Quilmes de 1 litro, ainda estava muito agitado. Muito!

Pensando nas coisas que passei, mas principalmente pensando no privilégio que tive de ver as coisas que vi, que pouquíssimas pessoas têm a chance de ver. Sim, trajeto difícil, mas maravilhoso. Valeu cada tombo, cada escorregada, cada medo que tive.

Nem vou colar muitas fotos neste post.  Veja a galeria do dia. Garanto que compensa!

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RESUMO DO DIA:

08.03.2011 – Terça feira
De San Pedro de Atacama (CHI) a San Antonio de Los Cobres
0 km rodados
Clima: Sol, chuva, nevasca.
Altitude no destino: 4.580 metros no alto da Cordilheira.
Acontecimentos: Atolei com a moto e depois, dois tombos descendo a cordilheira.

Hotel a las Nubes
Ruta 51 – San Antonio de Los Cobres
Tel. 0387 490.9059
Sanantoniodeloscobres@hotmail.com

 

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8 Resultados

  1. clairton pastro disse:

    Cara, to pesquisando esse trecho a mais de um ano, uma dificuldade imensa, todos querem passar por paso de jama, o teu roteiro é exatamente o meu até calama voltando por paso de sico. Agora to em casa,achar vc foi sair da tempestade. valeu. ps. vou tentar em viaduto polvorilla ir até vulcão tuzgle, tem uns conhecidos de net meus em salta que sobem o cidadão de moto, tem fotos no google. valeu mais uma vez.

  2. Fabio, excelente, acredito ser um dos pontos auges dessa aventura ! adorei a parte que vc pensou em acampar por ai .. eu faria com certeza ! Muita lama e sem pneus apropriados ! sem duvida o maior desafio dessa viagem !

    Parabens pelas fotos, fonte de inspiração para minha proxima passagem do Chile pra Argentina !

    FOX – ADV rider

    • Vida Vivida disse:

      Evando, primeiro comentário que eu respondo ! Na viagem toda !
      Estou indo dos mais recentes para os mais antigos.
      Fiquei feliz que tenha conseguido passar um pouco dessa alegria.
      Grande abraço, Fábio

      Obs.: Falando em desafios, nao esqueca de ver o post do 14º dia, quando perdi todos os documentos …

  3. PAULO NOTO disse:

    OH BICHA VEIA! TEM MAIS QUE FAZÊ NÃO? VORTA PRO TRABAIO VAGABUNDO! TUA MUIE E FIOS TÃO CUM FOME!
    VORTA DE VIÃO QUI É MAIS RAPIDU!

  4. Magu disse:

    Fábio, que aventura!ainda bem que vc está bem! as fotos estão maravilhosas!

  5. Maca disse:

    Minino macho ! rsrsrsrsrs…….

    Que aventura .

    Parabéns , continuo seguindo !

  6. Edson Mesadri disse:

    Fabio,

    Você foi premiado com essa travessia. Parabéns.

    Edson

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