A vida vivida

Por Charlota Gragumilla

Para mim, essa é a foto do blog Vida Vivida!

Poucas situações parecem refletir melhor um momento vivido como este: impossível imaginar que eles estejam discutindo a relação (DR), reclamando da Claro ou da NET, da infiltração causada pela torneira do banheiro ou da rabugice da filha nesta tarde.

Apesar da feiúra da mulher, afinal nem todas são Giseles, este distinto senhor parece sincero em seu propósito.   Tirando a sofisticação do kit piquenique bem como do lugar, que não é tão ruim assim em se tratando do Jardin du Luxembourg, a vida aqui está fazendo sentido.

Talvez seja uma comemoração.  Talvez um reatamento.  Mas o instigante é imaginar que não seja nenhum nem outro e mas simplesmente a saída mais cedo do trabalho para aproveitar o sol da primavera no final de uma tarde qualquer.

Mesmo sem ver a marca do champanhe (talvez uma Perrier Jouet 2000 Belle Epoque) ou do vinho  (talvez da marca Chapinha) , pouco importa !  Importa aquele momento. Aliás como descrito no site do Chapinha: aveludado, encorpado e de personalidade (alerta: “nada de definições de enólogos:  o povão fala fácil: Chapinha é bom pra caralh…”). Ou seja, não importa o líquido e sim o momento, sem rótulos e compromissos.

Há muita coisa boa nesta imagem: não sei qual livro o camarada está lendo, talvez seja L’élégance du hérisson. Mas basta o livro, a companhia ou na pior ou melhor das hipóteses, uma soneca como faz o monsieur ao fundo.   Que by the way, pode estar chapado por um chapinha ou um tapinha.

A pluralidade dos objetos da cesta também é perfeita: tudo em quantidade de dois. Só dois. Três atrapalha. Alguns dizem que em três o desempate fica mais fácil, mas em dois – com sabedoria e alguns recuos – os encaixes podem ser mais perfeitos.

Mas como na vida, esta situação da foto também é imperfeita. Tal como “procurando Wally”, veja se você consegue identificar e imaginar os problemas da situação.

Eu não tenho dúvida: o maior problema aqui é o relógio! Estava tudo ótimo, até eu ver o relógio.  Para que ver as horas?  Já é um final de tarde! As coisas que deram certo no dia, já deram. Idem para as erradas.  Provavelmente após o término do expediente nada mudará os fatos.  Este relógio sim, repousado na cabeceira, fará com que as horas ao longo da madrugada resolvam por si só uma série de coisas que não conseguimos realizar com toda a nossa racionalidade.  Mas neste piquenique, este objeto não deveria estar presente !

Objeto inventado em 1814 pelo relojeiro Abraham Louis Bréguet apequena o propósito do momento. Assim como a pauta, a meta, o interesse e a obrigação nos privam de  grandes oportunidades de viver a vida por si só; por um brinde, um salame ou momento de silêncio.

Eu quero fazer um piquenique, mas sem planejamento, talvez em uma manhã nublada, sem pensar no resultado de ontem ou no compromisso de amanhã.

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